Entrevista: Maria Vilani

Entrevista realizada por José Douglas Alves dos Santos

Fundadora do Centro de Arte e Promoção Social (CapsArtes), ONG que desde os anos 1990 promove inserções e intercâmbios artístico-culturais de grande relevo aos habitantes do mais populoso distrito paulista, Grajaú, na zona sul de São Paulo, Maria Vilani, essa cearense que considera os livros como grandes companheiros – eles que tanto contribuíram para sua formação e estão diretamente associados ao seu trabalho social, literário e artístico –, é uma filósofa, educadora e “poeta de grandeza maior”, como assim a descreve Márcio Ahimsa, ou ainda segundo as palavras de Heloísa Buarque de Hollanda, no prefácio de seu último livro, Abscesso, “uma feminista pioneira” e “intérprete do mundo”. Ao aceitar nosso convite para uma entrevista, Maria Vilani conta sobre o que mais mudou em sua vida com a pandemia da Covid-19, reflete sobre a relação das pessoas com a cidade, afirma as desigualdades acentuadas pelo novo coronavírus, relata sobre o trabalho do CapsArtes nesse momento atual, traz sua percepção da arte na formação humana, indica a música que considera mais marcante de seu filho (Kleber Gomes, mais conhecido por Criolo), e ainda fala sobre as brincadeiras que mais gostava em sua infância, seu ponto de vista sobre o futuro, bem como de seus projetos pessoais e sua definição da vida. Confira a seguir.

01. O que mais mudou em sua vida com a pandemia do novo coronavírus?
O fato de ficar privada do convívio com amigos, familiares e não poder participar das atividades culturais da minha região em virtude do isolamento, mudou minha rotina completamente.

02. No final de 2019 você lançou seu último livro, “Abscesso”, publicado pelo Selo Capsianos, um selo que ajuda a fomentar essa produção literária que acontece nas bordas da cidade. Na obra, a cidade ganha protagonismo junto com os seres que convivem nela, revelando em palavras o sentimento ou o estado de espírito de um tempo que parece sufocar cada vez mais as pessoas. Como você vê a relação das pessoas com a cidade hoje, e da cidade com as pessoas?
Nesse momento a relação das pessoas com a cidade acontece em vários níveis, algumas estão tão prevenidas que não saem de casa, veem a cidade pela janela de suas casas, outras se atrevem a sair à curta distância, tomando todo o cuidado possível, não sentem a cidade, o medo não permite, outras entendem que o vírus é uma criação de insanos, saem, se divertem, organizam festas, arranjam confusão por não aceitarem o uso da máscara.

A relação da cidade com as pessoas também se processa em diversos níveis, desde a solidariedade amorosa à desumana indiferença.

03. Algo que a pandemia da Covid-19 vem demonstrando é o nível de desigualdade socioeconômica na população brasileira, sobretudo nos bairros considerados periféricos em relação aos mais “nobres” das cidades. Até que ponto você considera que o novo coronavírus torna evidente esses abismos sociais?
O novo coronavírus foi um portal que se abriu e mostrou ao mundo as desigualdades sociais que já existiam. A fome e a miséria estavam camufladas nos seus redutos, as ocupações, favelas e periferias das periferias da cidade. As ruas dos grandes centros que sempre exibiram seres humanos em condições subumanas já não são as únicas a mostrarem essa desumanidade, as ruas das periferias, com a abertura desse portal encheram-se de pessoas famintas – nossos irmãos deserdados da “sorte”.

04. E como está o trabalho do Centro de Arte e Promoção Social (CapsArtes) diante desse contexto de pandemia? Vocês têm conseguido se organizar e fazer encontros online?
No início da pandemia, nós, voluntários do CapsArtes, cancelamos todas as atividades, mas quando percebemos que teríamos muito tempo de isolamento decidimos pelas atividades online. Eu fui mais resistente, mas aos poucos fui me adaptando à nova realidade. Hoje, as nossas atividades online contribuem para que mais pessoas sejam beneficiadas por essa construção do conhecimento.

05. Durante esse período percebemos que muitas pessoas estão dando testemunhos do quanto livros, música, filmes, séries, entre outras produções e expressões artísticas, estão sendo fundamentais na manutenção do equilíbrio emocional. Isso revela um das potencialidades da arte e demonstra sua importância na vida das pessoas. Em sua opinião, o que a arte pode representar na formação humana?
A Arte emana do Ser Humano, é a essência do ser. A arte nos conduz a nós mesmos, esse é o papel mais relevante da arte, portanto a arte é imprescindível na formação humana.

06. Você tem um filho que é hoje um artista que adquiriu bastante reconhecimento do público e da crítica, o Kleber Gomes, mais conhecido como Criolo. Você costuma acompanhar de perto a carreira dele? E das suas canções, qual ou quais as mais marcantes para você?
Eu acompanho na medida do possível, às vezes fico muito perto lendo e refletindo sobre suas composições, mas isso é muito raro, pelo fato de eu ter uma agenda muito densa, em virtude das atividades doméstica, literária e do voluntariado.

Para mim todas as músicas do meu filho são dignas de apreciação, porém a mais marcante é a música É o Teste.

07. Para as famílias que têm crianças pequenas, a quarentena tem trazido o desafio de pensar em atividades que estimulem outras práticas de convivência, para amenizar o tempo de exposição às telas (seja da televisão, celular, computador, entre outras). Retomar antigas brincadeiras pode ser uma alternativa, uma vez que muitas delas envolvem a participação e interação com outras pessoas. Pensando nisso, poderia comentar quais as brincadeiras que você mais gostava de brincar em sua infância?
Eu participava das brincadeiras de roda, pião, jogos de pedra, futebol de botão, mas o meu brinquedo preferido era escutar meu pai lendo Contos de Fada.

08. Quando olhamos a situação política brasileira percebemos uma arena partidária de grande disputa, por vezes violenta e sanguinária (vide as mortes dos povos tradicionais e de militantes dos movimentos sociais, além das inúmeras vidas assassinadas nos campos e periferias do país). Essa arena não se restringe aos partidos e seus representantes, sendo perceptível também no nosso cotidiano a partir das relações sociais, ganhando maior expressão nas redes sociais. Como você avalia as possibilidades políticas no Brasil, considera que teremos alguma mudança qualitativa nesse cenário ou prevê que a situação continuará semelhante ou até mesmo pode piorar?
Eu sou uma pessoa que tem muitas esperanças, mas confesso que ultimamente ando desesperançosa, não vejo luz no final do túnel, Mas estou na torcida para que apareçam acendedores de luz.

09. Durante essa pandemia, está trabalhando em novos projetos, talvez algum novo livro? Poderia comentar se há projetos em desenvolvimento para quando passar a quarentena?
Sim. Estou trabalhando na construção de um romance que tem um título provisório – MEMÓRIA DE MARIA E UM POUQUINHO DE MIM. Esse livro eu havia iniciado em 2014, porém as inúmeras atividades me impediram de dar continuidade, agora estou me dedicando a ele com mais assiduidade.

10. Em nossa última pergunta relembramos Abujamra, por isso: o que é a vida?
A vida é uma ilusão que devemos levar muito a sério.

Os créditos das belas fotos de Maria Vilani pertencem ao fotógrafo Felipe Gabriel



José Douglas Alves dos Santos

Um fatimense que caminha pelo mundo desmistificando dálias, observando nuvens e criando constelações de poesia

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