Não tenha medo de suas fraquezas

Um texto de José Douglas Alves dos Santos

– Quando você se sentiu mais forte? – perguntou o menino.
– Quanto tive coragem de mostrar minhas fraquezas. [respondeu o cavalo]
(diálogo entre o menino e o cavalo em O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo, de Charlie Mackesy)

Este é o segundo texto que publico aqui no Zen dos que foram escritos para a Obvious Magazine. Diferente da última publicação (Ah, o amor… pelos livros!), esta sofreu maiores alterações porque o texto encontrado nas minhas pastas de arquivos pessoais era apenas um rascunho daquele publicado na referida revista online (que se encontra indisponível desde meados de 2021). Revi algumas passagens e decidi incluir outras que, de meu ponto de vista, contemplam ou se aproximam da publicação original, de modo a não me distanciar daquela reflexão pretendida. Confira o “novo” texto a seguir.

(Texto originalmente publicado em abril de 2017)
Recentemente, conversando com uma grande amiga ela relatou estar passando por uma daquelas fases que todo ser humano enfrenta uma ou várias vezes durante a vida: a fase em que nos sentimos menos capazes do que somos, em que questionamos nossa própria condição e, até mesmo, nossa existência. Em outras palavras, aquele tipo de fase em que nos levamos a sério demais e não enxergamos/percebemos/apreciamos as pequenas belezas – ou a grande beleza, a depender da situação e das circunstâncias – decorrentes da (e na) simplicidade da vida, mesmo com todas as complexidades que lhes são inerentes.

Isso nos angustia e nos coloca para baixo, nos sentimos frustrados com o que fazemos, os problemas parecem aumentar e as soluções não aparentam estar próximas. Seja no ambiente de trabalho ou familiar, as coisas simplesmente parecem não fluir, como se uma barreira nos impedisse de seguir adiante. É quando nos sentimos fracos, impotentes e incapazes. Sensação deveras ruim, que nos nocauteia com um único golpe. Se dentro de nós as coisas estão tão complicadas, do lado de fora somos bombardeados com as propagandas que tentam nos vender uma verdade hoje quase universal, aceita por boa parte das pessoas: a de que vivemos em um lugar onde os fracos não têm vez.

Temos duas questões referentes a isto. A primeira é a tolice de achar que somos fortes o suficiente diante de um mundo que se mostra mais forte do que nós, com seres igualmente mais fortes – o ser humano é tão frágil que um minúsculo inseto pode levar ele dessa para outra; se é melhor ou pior, não sei dizer, mas se levarmos em consideração todos os absurdos que já vivemos aqui faz sentido se apoiar na ideia de que seja um lugar realmente melhor. “O mundo não foi feito para os fracos”, afirma o discurso que nos condiciona desde cedo numa excessiva e infinita competição, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo que Milton Santos denominava globaritarismo, uma sociedade em que a tirania da informação, associada à tirania do dinheiro, pautam as normas vigentes e tentam impor uma visão e um pensamento único de mundo e de ser humano. Nessa perspectiva, todas as pessoas devem se comportar como se fossem incrivelmente fortes e inabaláveis, como se nada pudesse atingir tamanha força, afinal de contas, só os fracos podem ser atingidos, podem cair e ser quebrados, e nós não somos fracos… Você não é fraco!

Só que somos, sim, fracos. Bastante fracos. Geralmente nos damos conta disso em momentos de grande baque emocional, como a perda recente de alguém próximo, o fim de um relacionamento, o resultado inesperado de um grande investimento ou alguma crise emocional que nos abala e nos coloca nessa inescapável condição humana: nem mais nem menos do que os outros, no mesmo patamar dos que podem neste momento estar felizes e logo em seguida estar sofrendo na mesma medida. Conhecer suas fraquezas é um grande passo para um processo interno e individual chamado autoconhecimento. Reconhecê-las é um passo ainda maior que nos leva a outro importante processo, evolução.

A segunda questão é um tanto paradoxal: na medida em que descobrimos nossas fraquezas temos também a possibilidade de compreender que não somos assim tão fracos como supomos. As crises, por mais fortes que sejam e por pior que nos atinjam, podem trazer algo que ajudem a ampliar nosso campo limitado de visão. Não é fácil perceber isso justo quando se está em uma fase vulnerável, pois geralmente é com o tempo que notamos o quanto fomos fortes e crescemos naquele período. Conforme o famoso personagem Rocky Balboa ensina ao seu filho no sexto filme da franquia, se permitirmos a vida pode nos colocar de joelhos e assim continuaremos, porque não se trata do quanto podemos bater, senão do quanto podemos ser atingidos e continuar seguindo em frente. Há muitos fatores que interferem para que saíamos de uma crise mais fortes do que entramos nela (ou do que quando ela entrou em nós), e o mais importante de todos talvez seja confiar em si mesmo/a, permitindo-se ver e perceber o mundo, bem como seu funcionamento, com os próprios olhos.

Cena do filme Gênio Indomável (Good Will Hunting, 1997, de Gus Van Sant)

“Se pararmos para pensar nas pequenas coisas, conseguiremos entender as grandes”, disse certa vez José Saramago. Não é preciso sofrer para aprender isso; o sofrimento pode até ajudar, mas ele não é, ou ao menos não deveria ser, necessário. Quem se reconhece fraco não está sendo fraco. Ser fraco é a condição de quem está para baixo por algo que lhe aconteceu. Reconhecer o problema é uma tentativa de sair dele, de superá-lo, de pedir ajuda. Como nos ensina o personagem do Cavalo na obra-prima de Charlie Mackesy, “O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo”, a coisa mais corajosa que podemos dizer é Socorro. É aqui que entra o paradoxo: reconhecer-se fraco é também um sinal e uma demonstração de força, de que somos muito fortes.

Porque não tem nada mais difícil do que ser a seta e o alvo. Se antes você atirava contra o mundo e contra todos, julgando-os pelas fraquezas apresentadas, agora está atirando diretamente em si mesmo/a. Convenhamos que é muito mais confortável encontrar um alvo para nossa seta. Quando, no entanto, a sua própria seta o atinge e te faz reconhecer fraquezas que antes apontava no(s) outro(s), sua visão se amplia dando a possibilidade de entender melhor porque chegou a tal ponto ou situação. Trata-se de um necessário crescimento interno, porque você percebe que o mundo continua girando mesmo que esteja caído; e que permanecer no chão não vai modificar o cenário em que se encontra.

Quem chega ao fundo do poço precisar lembrar que o fundo é o melhor lugar do poço pra se tomar impulso (Eduardo Marinho)

Somos todos vulneráveis e somos todos incrivelmente fortes. E o mundo não deixa de girar por nós (ou apesar de nós, ecológica e biologicamente falando). Perceber isso é um passo essencial para compreender que está tudo bem, que se sentir fraco é tão comum quanto se sentir forte, e que se tropeçar, do chão não vai passar; quem sete vezes cai, levanta oito, como canta Tiago Iorc em Um Dia Após o Outro.

“Certas coisas vemos melhor é com os olhos fechados”, refletiu Mia Couto. Olhar para dentro de nós mesmos é um pouco disso, fechar os olhos e enxergar melhor quem somos, reconhecendo nossos limites e aceitando os limites alheios. Nossa fraqueza pode ser tão comum e banal que uma simples mudança de postura e de atitude pode nos tirar de tal condição; ou um conselho amigo pode abrir nossa percepção. Antoine de Saint-Exupéry sabiamente observou: “Haverá motivo para desesperar? O que sempre existe é um perpétuo nascimento. E é verdade, existe o irreversível, mas não há nada nele que seja triste ou alegre, é a própria essência do que foi. É irreversível meu nascimento pois estou aqui. O passado é irreversível, mas o presente te é fornecido como matéria prima aos pés do construtor e vos cabe criar o futuro”. Diante disto, convém aproveitar melhor nosso breve tempo de vida neste planeta, sem o risco de se levar muito a sério a cada instante, contemplando as infinitas e grandiosas belezas em nosso caminho, no mundo e nos outros. Às vezes, como podemos ouvir na canção da banda Ludov, é somente questão de sorrir.

Imagem em destaque de Markus Spiske, via Unsplash

José Douglas Alves dos Santos

Um fatimense que caminha pelo mundo desmistificando dálias, observando nuvens e criando constelações de poesia

Um comentário em “Não tenha medo de suas fraquezas

  1. Muito refleti sobre o medo de se revelar fraco vir das antigas gerações, pois um conhecido mesmo me disse um dia que “os homens de antigamente eram de ferro”, e recentemente ele teria me dito que seu pai estava com depressão.
    Essa ideia de ter medo de se revelar fraco é tanto danoso para o psicológico de um indivíduo quanto para a sociedade em si e textos como esses são uma ótima ferramenta para desconstruir essa ideia errônea, muito obrigado professor.

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