Aprendendo a amar

Um texto de José Douglas Alves dos Santos

Meu namorado fica uma fera se eu olho pra outro cara, às vezes é um saco, dá até medo dele fazer alguma besteira, mas eu gosto, pelo menos mostra que me ama, certo?, perguntou uma jovem. Siiiim! Eu também sou muito ciumenta, sinto ciúmes até do vento. Se meu namorado olha para qualquer mulher fico louca, respondeu sua amiga. Ouvi esses comentários de uma conversa entre duas estudantes que falavam sobre ciúmes, enquanto almoçavam perto da mesa em que eu terminava minha refeição no Restaurante Universitário. Após ouvir isso fiquei pensando um pouco mais a respeito dessa questão amplamente difundida e, em meu ponto de vista, tão pouco compreendida apesar de bastante problemática na nossa sociedade: do ciúme como uma prova de amor.

Existem pessoas que difundem o discurso que trata o ciúme como um belo e autêntico sinal de demonstração de amor. Não concordo e sempre tive problemas em reconhecê-lo como essa verdade absoluta que parece estar presente no imaginário social. Ter ciúmes, sim, é algo normal e está entre os sintomas que nos faz perceber o quanto gostamos de alguém (afinal, não queremos perder essa pessoa de nossa vida). Porém, quando o nível de ciúme se eleva acima do que podemos chamar de normal, como no exemplo da conversa no parágrafo inicial, considero que seja um sinal errôneo ou equivocado de demonstrar tamanha afetividade por outra pessoa. Acredito que ele esteja mais para o medo, o controle, a desconfiança e a posse do que para a segurança, a liberdade, a confiança e apreço (qualidades inerentes ao amor e provenientes de quem ama).

Pessoas que têm esse tipo de ciúmes aparentam medo de ficar sozinhas, o que pode ser bastante prejudicial para qualquer relação, uma vez que a solidão não é ruim, na verdade é necessária e muito útil para nos conhecermos mais e melhor (como reflete o ator argentino Ricardo Darín). Precisamos ter um tempo com nós mesmos, assim como a outra pessoa precisa de um tempo somente com ela; elas tentam controlar todas as ações, o que pode levar a um estado de constante imposição, privando muitas vezes a outra pessoa de sua liberdade de ir e vir, ou inclusive de se sentir bem consigo mesma; não acreditam e não confiam na pessoa que dizem amar (mas dois dos pilares do amor não são a crença e a confiança?); e tratam a outra pessoa como um objeto para uso próprio, como se devesse “funcionar” conforme determinadas normas ou como o “preço” que pagou por ela (confundindo apreço com preço), como mais uma mercadoria disponível na prateleira das relações líquidas e descartáveis de nosso tempo, como salientava o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman. Ter ciúmes em demasia demonstra, portanto, pouca estima ao próximo, privação de sua liberdade, desconfiança desnecessária e um poder abusivo sobre outrem.

Me pergunto como uma relação pode ser agradável e até mesmo saudável se não estamos seguros e nem temos liberdade de ser quem somos, ou não damos a devida segurança e liberdade à outra pessoa para que se sinta bem sendo quem é. Se não temos e sentimos confiança e não somos respeitados por nossas escolhas, como podemos dizer que amamos e estamos sendo amados? A probabilidade de amar até existe e é comum (sobretudo no caso de mulheres e crianças que aprendem ou são forçadas desde cedo a amar conforme as configurações impostas socioculturalmente), já a de ser amado/a não condiz ou equivale na mesma proporção. É uma conta que não fecha. O ciúme excessivo também demonstra, mais que uma falta de amor, um desconhecimento do que significa amar.

Quem desconfia não tem paz, porque está a todo o momento com medo, desconfiado. E o amor, ao menos aquele ao qual todos ansiamos encontrar e sentir ao menos uma vez na vida, que podemos denominar de amor pleno, ele nos dá plenitude subjetiva, nos deixa em um estado de paz interna. As condições podem não ser as melhores, as circunstâncias podem ser desfavoráveis, ainda assim nos sentimos bem por estarmos com quem amamos (porque sentimos afetiva e efetivamente o amor ao nosso lado). E assim está tudo bem, porque sabemos que, de uma forma ou de outra, ficará tudo bem. Quem ama está e se sente em paz. Essa é uma das maiores virtudes do amor, a de nos fazer sentir essa sensação que não sabemos explicar e tem um poder transformador, de nos direcionar a um caminho cuja linha de chegada somos nós mesmos (nós mesmos diante do outro). A beleza e potência dessa virtude está, como muitas vezes acontece nos processos e movimentos da vida, no percurso que fazemos. Ao percorrermos esse caminho, quando cruzamos sua linha de chegada, já não somos mais os mesmos, pois aprendemos a ser melhores – amar e se sentir amado nos faz querer ser melhores: para a outra pessoa e para nós mesmos; por conseguinte, para o mundo.

Até o mais enfurecido dos homens é capaz de escutar uma espécie de cântico divino quando se sente amado, o que lhe permite compartilhar com o mundo um pouco de sua beleza (sim, todos nós temos algo de muito bonito dentro da gente, que nos torna seres raros, únicos e especiais no mundo – ao menos no mundo da outra pessoa). É isso que faz com que tenhamos a possibilidade de ver as tantas e inúmeras belezas que existem no mundo, em nós mesmos e nos outros. Ao amar ampliamos o alcance e melhoramos o foco de nossa visão. Evoluímos, no melhor sentido da palavra. Sentir ciúmes é, de fato, normal, algo que não precisa ser visto como abominável. Aprender a ter esses ciúmes aceitáveis é uma questão de aprender a amar. Em excesso muito provavelmente eles levarão a relacionamentos caóticos, problemáticos, tóxicos e abusivos (em um nível, infelizmente não raras vezes, inaceitável e incompreensível).

É possível afirmar que ciúmes excessivos se tratam de um sinal, de uma prova de amor? Não, não considero. Se assim for, então estamos não apenas declarando, mas aceitando que o amor é refém do medo e da possessividade. Para mim a equação é simples: quem ama, confia. Quem confia, está em paz (com a outra pessoa e consigo mesmo/a). Quem está em paz, ama mais (e partilha esse amor no mundo). Por que gostamos de estar com nossos amigos, por que nos sentimos tão livres e felizes com eles? Porque experimentamos um inexplicável estado de paz. Confiamos neles, os amamos. Essa confiança vai evitar ou afastar possíveis decepções que teremos? Não, até porque amar não se trata disso. Amar é aprender a cada dia que ninguém pode ser comparado a um ideal de perfeição; é se reconhecer no(s) e com o(s) outro(s); é aceitar que temos falhas, defeitos, vícios e imperfeições; e que isso não nos impede de sermos melhorados, aprimorados, lapidados… Pelo amor. Nesse caso, amar é também perdoar, a outra pessoa e a si mesmo/a, por erros que com o tempo aprendemos que até nós podemos cometer.

Como diz uma de minhas frases preferidas, que encontrei no filme Hellboy: “Admiramos as pessoas pelas suas qualidades, e as amamos pelos seus defeitos”. Que possamos, além de admirar, aprender a amar mais, ampliando nossa limitada percepção para as belezas presentes no mundo e em cada um de nós.

Imagem em destaque de Kelly Sikkema, via Unsplash

José Douglas Alves dos Santos

Um fatimense que caminha pelo mundo desmistificando dálias, observando nuvens e criando constelações de poesia

Deixe um comentário